Jefferson da Fonseca Coutinho – Jornal Estado de Minas
De joelhos, por adoração perpétua e laica, o milagre da multiplicação do tempo ajuda a escrever a história da Igreja Católica no Brasil. De 31 de outubro de 1937 ao mesmo dia de 2011 foram anotadas 639.360 horas corridas, transformadas em 15.965.079 horas de fé e boa vontade. Média de 25 fiéis, 24 horas por dia, prostrados diante do Santíssimo Sacramento, na Catedral da Boa Viagem, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul de Belo Horizonte.
Espécie de pronto-socorro do espírito, bem perto da área hospitalar, a primeira igreja da cidade conta com cerca de 5 mil adoradores cadastrados, que se revezam em dois turnos. Tudo para não deixar o Cristo exposto só, um minuto sequer. Corrente jamais quebrada, prestes a festejar 75 anos.
“Sinto um grande encantamento por Jesus na Eucaristia, que é a fonte onde nossas almas buscam o alimento espiritual, que sacia a nossa fome e sede de Deus. Aqui, diante do trono de Jesus, passamos momentos de paraíso e vivemos instantes de vida eterna. Faço da Santíssima Eucaristia a razão de ser da minha vida”. O depoimento é de João Araújo Coelho, de 68 anos, adorador desde 1967, com plantões da meia-noite às 6h, nos dias 1, 6, 11, 13 e 18 de cada mês. Hoje é 28, seu João… “Mas é véspera do meu aniversário”, responde, feliz com a noite extra de devoção.
Nascido em Ubá, cidadão honorário de BH, o advogado Escândar Nagib Borjaili, de 76, há 52 anos frequenta a catedral todas as noites, entre 21h e 0h. No dia 11, é um dos 31 zeladores, responsáveis pelo mês. Escândar, morador da Rua Guarani, na Região Central, foi presidente da Adoração de 1994 a 2009. Hoje, faz parte da diretoria. Dos momentos mais marcantes, em mais de meio século de dedicação, o advogado conta a madrugada em que um adorador passou mal e pediu um copo d’água. “Ele bebeu, agradeceu e faleceu, aqui, perante Jesus”, relembra. Fala ainda de pessoas com tendências suicidas que, ali, tiveram suas vidas transformadas.
Transformação
Maria Noêmia Diniz Mateus, de 62, de Carmo do Cajuru, há 10 anos, ao menos três vezes por semana marca presença na Igreja da Boa Viagem. Entre 23h e 1h, a vendedora autônoma faz suas preces e agradece graças alcançadas em família. Diz que a Adoração é herança deixada pela avó, Carmelita. Moradora do Bairro Havaí, na Região Oeste da capital, Maria Noemia enfrenta a vinda e a volta de ônibus pelo amor ao Santíssimo. Prefere a noite e ajuda a reforçar os horários em que o movimento diminui. Na noite do dia 28 para 29, por exemplo, a Adoração das 23h caiu de 115 para 4, à meia-noite. Apenas três pessoas até às 2h.
Entre os seis adoradores que esperaram o sol voltar a iluminar o santuário estava José Antônio Pereira dos Santos, de 60, do Bairro Carlos Prates. Casado, pai de três filhas e avô de sete netos, há 10 anos, todos os dias – inclusive aos sábados, domingos e feriados –, José Antônio dedica oito horas de presença ao Santíssimo. Razão especial? “O amor a Deus”. O leigo conta que conheceu a Adoração Perpétua, quando passava de ônibus na Rua Timbiras, numa noite de 1991. “Vi o movimento, procurei saber do que se tratava e passei a frequentar a igreja”. Sacramentino, o homem afirma ter a vida transformada pela presença de Cristo.
Prova de fé para jovens
Não são somente os mais maduros adoradores do Santíssimo na Catedral da Boa Viagem. Muitos moços fazem parte da ação de fé. Há até a “Noite do Jovem”, todo dia 18. Entre os participantes, Gilto D’Alcantara Souza Júnior, de 26. O médico residente se dedica diariamente à adoração, com até duas horas de preces. Para o anestesista, cada dia mais, os mais novos também estão sendo tocados por Deus. O homem se transforma naquilo que contempla. “Quem está no mundo vê as coisas do mundo. Quem está na igreja vê as coisas da igreja”, ressalta.
Integrante da Renovação Carismática Católica, Gilto também faz parte do Projeto Jovens Adultos Master Fanuel, da Paróquia Nossa Senhora Rainha, do Bairro Belvedere, em Belo Horizonte, e da Missão PHN (Por Hoje Não, por hoje não vou mais pecar). O médico fala com alegria do agrupamento de jovens, frequentadores da Canção Nova, em Cachoeira Paulista, São Paulo. “Cada dia mais, os jovens estão sendo tocados por Deus. Está acontecendo um fenômeno interessante… hoje, muitos jovens estão levando a igreja para casa, convertendo os pais”, comenta.
CARAVANA
A Catedral da Boa Viagem é ponto de encontro das 258 paróquias de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Todo dia 28, há quatro anos, cerca de 120 fiéis da Igreja São Gonçalo, em Contagem, ajudam a multiplicar as horas de Adoração Perpétua, contabilizadas pela Boa Viagem. Augusto Aurélio Noce, de 62, coordenador, fala em “expansão de conhecimento”. “Com este ato de fé, buscamos sair do beatismo sem produtividade. Com o movimento, evangeliza-se para trazer à tona a realidade. É um trabalho de conscientização.
Nos bancos mais próximos ao altar, à meia-noite, uma família chama a atenção. O zelador do dia 28, Carlos Augusto de Azevedo, de 65, ex-oficial do Exército, a apresenta: “É a família do senhor Ildeu”, que desde 1994 comparece. O comerciante Ildeu Rodrigues Machado, de 74, uma vez por mês, traz a mulher e os filhos para a Adoração Noturna. Com ele e a mulher, Maria do Carmo, estão os filhos Moacir e Adriana – ambos com pouco mais de 30 anos. “É um tempo de agradecer. O que ganhamos, agradecemos. O que perdemos, agradecemos também.” Para Ildeu, a fé em Deus é o que mantém a família.
“Os adoradores são soldados de Deus. Por meio de alguns, todos são contemplados” – José Ângelo Superbi, presidente da Adoração Perpétua da Boa Viagem
A força dos bastidores
Homem de devoção, o atual presidente da Adoração Perpétua, José Ângelo Superbi, de 55, conta duas ausências apenas em quase 20 anos de dedicação à Catedral da Boa Viagem. É plantão dele no primeiro dia de cada mês. Vicentino, como a maioria dos zeladores, José Ângelo só vê o mundo ainda possível, “apesar de todas as fraquezas do homem”, graças àqueles que creem em Cristo. “Os adoradores são soldados de Deus. Por meio de alguns, todos são contemplados. O mal não vai vencer”, acredita o comerciante de Ponte Nova, que veio para BH nos anos 1980.
Além da fé inabalável que mantém a Adoração Perpétua há quase 75 anos, há ainda um sistema operacional administrativo de fazer inveja às mais organizadas corporações. Não. Nada de tecnologia ou computadores de primeiro mundo. É por meio de caneta e de papel, em fichas, livros e pastas muito bem organizadas, que relatórios listam e somam hora a hora, desde 31 de outubro de 1937. Centenas de voluntários, dia e noite, cruzam décadas para evitar que a ação seja prejudicada. Não só para que um mínimo de dois adoradores estejam sempre na presença do Santíssimo, mas também para que a contabilidade não falhe.
Entre a boa e generosa gente leiga, que se doa à Adoração, está Elzita Mourão, de 83, desde 1945, de corpo e alma na Catedral da Boa Viagem. Solteira, com 123 sobrinhos, a adoradora considera a igreja “o céu na terra”. De segunda a sexta-feira, das 13h30 às 16h30, Elzita trabalha na administração da obra, “uma bênção para todas as pessoas”. “Se fôssemos escrever todos os milagres que acontecem aqui, seriam livros e mais livros…”, considera. Algum pedido especial atendido, dona Elzita? Aqui, meu filho, não é necessário pedir… Deus se antecipa”, sorri.
Nenhum comentário:
Postar um comentário