Dom Alberto Taveira - Arcebispo de Belém do Pará
O Círio de Nazaré se expressa em diversos sinais externos, todos eles ricos em mensagens, com os quais a Igreja continua a evangelizar. Nossa cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará recebe peregrinos de tantas partes, começando de nossas casas, para o Círio de Nazaré. Celebramos a grandeza imensa do amor de Deus, refletido na simplicidade desconcertante da Virgem de Nazaré, Nossa Senhora, Mãe de Deus e nossa Mãe, escolhida e preparada pelo Pai do Céu. Maria acolheu o chamado que lhe foi feito através da mensagem do Anjo Gabriel (Cf. Lc 1, 26-38) e deu sua resposta, com a qual a história do mundo foi mudada, para ser aventura de salvação e de graça. E todas as gerações a proclamam feliz, bendita, bem-aventurada (Cf. Lc 1, 48). Mais uma vez cumprimos a profecia pronunciada na casa de Isabel e Zacarias, pois é Círio outra vez.
Um deles, certamente o ícone mais expressivo, é a imagem encontrada pelo Caboclo Plácido. Pequenina e tão imensa, acolhe as multidões que acorrem devotamente à Basílica de Nazaré. Nela ou na imagem peregrina que é conduzida por tantos lugares, nas milhares de visitas evangelizadoras do Círio, há detalhes carregados de sentido. O artista que fez a imagem mostrou a Virgem Maria com o Menino Jesus em seus braços, corpo à vista de todos, criança envolvida pela mão carinhosa de uma mãe. Poucas vestes para que a dignidade do corpo assumido na Encarnação do Verbo ficasse à vista de todos, a fim de que tudo de humano venha a ser reconhecido e valorizado. E ele tem o mundo em suas mãos!
Pequeno o Menino, mas o mundo está em suas mãos! Encantadora desproporção, tão grande que já traz a coroa daquele que é o Rei do Universo, Rei sobre a Cruz e sobre a história do mundo e dos homens. São Paulo põe em nossa boca um magnífico hino, com o qual contemplamos o Menino do colo da Virgem de Nazaré, depois crescido, morto e ressuscitado: “Com alegria, dai graças ao Pai que vos tornou dignos de participar da herança dos santos, na luz. Foi ele que nos livrou do poder das trevas, transferindo-nos para o reino do seu Filho amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados. Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois é nele que foram criadas todas as coisas, no céu e na terra, os seres visíveis e os invisíveis, tronos, dominações, principados, potestades; tudo foi criado por ele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas e nele todas as coisas têm consistência. Ele é a Cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio, Primogênito dentre os mortos, de sorte que em tudo tem a primazia. Pois Deus quis fazer habitar nele toda a plenitude e, por ele, reconciliar consigo todos os seres, tanto na terra como no céu, estabelecendo a paz, por meio dele, por seu sangue derramado na cruz” (Cl 1, 12-20). O mundo está em suas mãos!
O Menino da Virgem de Nazaré, com o mundo nas mãos, quer evangelizar-nos de novo durante este Círio! A vida pulsa nas mãos de Nossa Senhora. Contemplamos a maravilha da vida pensada por Deus para todos os seus filhos e filhas, de todas as gerações. Sejam expostas com respeito e recato a vida e a dignidade humanas, apelando às consciências para que nenhum sopro de vida seja apagado pelo egoísmo. Que pulsem vibrantes os corações, do ventre das mães e até que naturalmente o ventre da terra acolha todos os que vieram a este mundo, como fruto do amor infinito de Deus, para o qual tudo existe e tem vida. Brilhem com ele os rostos das crianças, seu olhar inquieto e provocante. Acenda-se a esperança com a tocha vibrante dos adolescentes e jovens. As famílias façam palpitar o amor à vida, olhando para a Casa de Nazaré. Os homens e mulheres de mais idade transbordem sabedoria para as outras gerações. E que nenhuma vida seja ceifada pela maldade humana, mas venha a florescer e frutificar até seu ocaso natural.
E Jesus Menino tem o mundo nas mãos! Parece incrível que alguém tão pequeno possa carregá-lo! O mundo é pesado? É que estamos acostumados a ver tudo com normas de pesos e medidas! Falta-nos a poesia para brincar com o mundo, olhando-o como obra prima de Deus. Vendo-o do lado de quem o criou, podemos enxergar o conjunto, sem pretender dividi-lo através dos muitos conflitos que inventamos. Sim, Deus fez o mundo para ser visto com a harmonia do azul com que os viajantes do espaço podem contemplá-lo e que nos permitem ver outras cores. O vermelho do amor ou o dourado da realeza, presentes nas vestes de Nossa Senhora de Nazaré, dizem tudo com simplicidade, atraindo os olhares que foram feitos por Deus para verem a beleza com que pensou todas as coisas. Lá do alto e de dentro das mãos do Menino Jesus o mundo é unido, uma só família, na qual as diferenças são presentes a serem distribuídos generosamente pelas pessoas que se doam no amor mútuo.
Este Menino é Deus verdadeiro. De fato, “no princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus. E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que recebe do seu Pai como filho único, cheio de graça e de verdade. De sua plenitude todos nós recebemos, graça por graça. Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que é Deus e está na intimidade do Pai, foi quem o deu a conhecer” (Jo 1, 1.14.16.18). Olhar com fé para o Menino que tem o mundo nas mãos é buscar de novo o plano de Deus para nossa geração. Deus criou o mundo como Pai que ama infinitamente. Filhos que somos, recebemos graça sobre graça e haveremos de viver segundo a sua vontade. Quer de todos nós irmãos e irmãs verdadeiros, dispostos a mudar esta terra, envolvendo-a com laços e cordas de amor, para construir a felicidade de todos. E o Menino tem o mundo nas mãos!
“Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 16-17). O Círio nos faça olhar o mundo de forma diferente, com mais otimismo e alegria. Com a graça do Círio, não precisaremos ser contra ninguém, mas a favor do que Deus quer para todos, a paz e a felicidade. E o Menino, com o mundo nas mãos, diz a todos, com um sorriso maroto nos lábios: “Feliz Círio”!
D. Alberto Taveira - Canção Nova
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