Arcebispo de Salvador (BA)
Nas procissões de Sexta-feira Santa, em muitos lugares, ressoa, inquietante, o canto de Verônica. Fazendo-se intérprete de Cristo, pergunta aos que passam: “Ó vós, que passais pelo caminho, dizei-me se há dor semelhante à minha dor?” Não, não há dor semelhante à de Jesus Cristo, o Redentor, que assumiu os pecados do mundo e se ofereceu ao Pai em oferenda por todos nós. A fé nos ensina, contudo, que algumas pessoas são convidadas a participar de perto da dor do Senhor, completando na própria carne o que falta à paixão de Cristo (cf. Cl 1,24).
Para evitar dúvidas quanto ao que quero expressar, antecipo logo que não é da vontade do Pai que seus filhos sofram. O anúncio do Evangelho é marcado pela esperança e pela alegria. Jesus quer que sua alegria esteja em nós e a nossa seja completa. Se o sofrimento não é da vontade de Deus, como compreender, então, uma tragédia com as dimensões daquela que ocorreu em Santa Maria, na semana passada? A resposta está na liberdade que Deus deu a seus filhos e filhas. Criando-nos livres, deixa-nos fazer escolhas que podem ser certas ou erradas; permite-nos tomar decisões, mesmo que sejam motivadas pelo egoísmo, pela avidez do lucro ou pelo comodismo – decisões que poderão, inclusive, prejudicar pessoas, grupos e até multidões. Ao nos criar livres, o Senhor nos tornou responsáveis por nossos atos e omissões. Um dia responderemos pelo bom ou mau uso que tivermos feito de nossa liberdade.
Não é minha intenção analisar aqui as causas e os culpados de tantas mortes e de tão grande dor. Deixo essa tarefa para quem deve fazê-la, esperando que a façam com sabedoria. Lembro apenas que também as autoridades constituídas são responsáveis por suas escolhas, decisões e omissões, mesmo porque “toda autoridade vem de Deus” (Rm 13,1); portanto, deve ser exercida segundo suas leis. É notório que as boas decisões que as autoridades tomam revertem em benefício para muitos; já as suas más escolhas, a indiferença diante do não cumprimento de normas ou, simplesmente, o não cumprimento de suas obrigações têm, por vezes, efeitos devastadores na sociedade.
“Há dor semelhante à minha dor?” Não acredito que haja dor maior do que a de um pai ou de uma mãe que enterra seu filho ou sua filha. Uma dor assim é imensa, indescritível. Nessa hora, nascem e se multiplicam uma série de “Por quê?”. A impressão que muitos têm é que, havendo uma resposta para tais perguntas, a vida do filho retornará e, então, tudo voltaria ao normal. Esses “Por quê?” são como que um eco daquela pergunta que, no alto da Cruz, Jesus dirigiu ao Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Jesus se entregava nas mãos do Pai; o Pai estava ao seu lado, recolhendo a oferta que o Filho lhe fazia. Para Jesus, entretanto, era um momento de deserto, de solidão, de sofrimento absurdo. Não havia dor semelhante à sua dor. Já o efeito redentor desse momento não pode ser medido por nós, dadas as suas infinitas dimensões.
Espero dos pais (dos avós, dos irmãos, dos amigos) daqueles jovens da tragédia de Santa Maria que seus inúmeros “Por quê?” sejam unidos ao de Cristo; que se lembrem de que “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (São Paulo, Rm 8,28); que vivam a certeza de que suas lágrimas não são inúteis; que do fundo de sua dor nasça um olhar para o Pai, mesmo que envolvido por algumas perguntas: Como foi possível que tudo isso tenha acontecido? Como vou viver daqui por diante, com essa dor? O que pode e deve ser feito para que outros pais e mães não passem pelo que estou passando? O que posso aprender de tudo isso? Como é a vida eterna, já que, segundo teu Filho, não vale a pena o homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder sua alma?... Das perguntas, poderá nascer uma oração, mesmo que muito simples: Pai, confio em ti. Por isso, coloco em teu coração misericordioso este meu filho, esta minha filha. Não é a oferta que eu gostaria de fazer; é, contudo, o que posso fazer, neste momento de dor que somente Tu és capaz de compreender plenamente. (CNBB)
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