Por Padre Claudemar
Diocese de Uberlândia
A Festa deste dia é a festa de todos nós: dos de perto e dos de longe, dos santos que conhecemos, canonizados pela Igreja, isto é, reconhecidos oficialmente por ela, e daqueles anônimos que nunca serão [re]conhecidos. Mas é também a nossa festa. A de todo homem e de toda mulher, em todo tempo e de qualquer lugar. Daqueles que amamos e daqueles que amamos pouco. Dos de dentro de nossas casas, mas também daqueles das casas vizinhas, do nosso prédio, da nossa rua, de nossa cidade e de nosso país. E nada poderá nos retirar esta condição de santos. Deus, que nos é mais íntimo do que nós mesmos (Santo Agostinho), mora em nós e jamais se ausenta. Nem mesmo quando pecamos. Do contrário, seria um “entra e sai constantes”. É a Festa dos seres humanos, mas não só. É também a Festa dos animais e da criação inteira.
Isso por que ser santo significa ser “separado”, escolhido. Deus nos separou para Ele. Todos nós lhe pertencemos. Ele nos fez e somos seus. Não há distinção: nem de raça nem de credo, nem tampouco de cor, orientação sexual ou denominação religiosa. Somos todos santos. São João, na sua epístola, assegura-nos esta certeza: “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato” (1 Jo 1, 3). O número dos eleitos de Deus é sem fim. A bíblia, de modo simbólico, apresenta um número: 144 mil assinalados de toda tribo dos filhos de Israel, isto é, do povo de Deus. E prossegue: “vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se em pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão” (Ap 7, 9).
E o salmista, por sua vez, confirma: “Ao Senhor pertence a terra e o que ela encerra, o mundo inteiro com os seres que o povoam; porque ele a tornou firme sobre os mares e, sobre as águas, a mantém inabalável. ‘Quem subirá até o monte do Senhor, quem ficará em sua santa habitação? Quem tem mãos puras e inocente coração, quem não dirige sua mente para o crime” (Sl 23/24). De fato, a salvação é um dom imerecido, uma oferta generosa de Deus. Afinal, só Ele é o todo Santo: “Ao celebrarmos, ó Deus, todos os santos, nós vos adoramos e admiramos, porque só vós sois o Santo, e imploramos que a vossa graça nos santifique na plenitude do vosso amor, para que, desta mesa de peregrinos, passemos ao banquete do vosso reino. Por Cristo, nosso Senhor” (oração pós-comunhão).
Porém, como todo dom, também a salvação [o ser santo] requer uma tarefa. É necessário que o homem e a mulher, chamados à santidade de Deus, atravessem livremente o umbral desse convite. É preciso viver a dimensão desta santidade, cujo referencial é um só: Jesus Cristo: “Esses, que estão revestidos de vestes brancas, quem são e de onde vêm?” Respondi-lhe: ‘Meu Senhor, tu o sabes’. E ele me disse: “Esses são os sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 13-14). E é, precisamente no seu Evangelho, que Cristo nos dá a receita de como adentrarmos à essa dinâmica salvífica:
“Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós” (Mt 5, 3-12).
Num mundo e em sociedades tão marcados pela violência, pelo ódio, pelo desamor, pelas injustiças e pela cultura de morte, os homens e mulheres santos são chamados a ser luz que ilumina e dissipa toda forma de escuridão. E não faltam ocasiões de vivência dessa santidade. Nas famílias, sobretudo, é lugar adequado para se viver e promover a paz. Entre os cônjuges muitas vezes impera a desconfiança, a infidelidade, a violência, o ódio e a vingança. Uma pessoa santa se esforça, portanto, por superar esses resquícios do “homem velho” e de uma vida de pecado. Os filhos, por sua vez, cuidam e honram seus pais. Não os abandona nem na velhice nem na doença. Os pais, por outro lado, não contristam nem intimidam os seus filhos. Nas relações interpessoais, lugares privilegiados para se viver a misericórdia: “bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. Nos locais de trabalho, nas relações profissionais, ambientes propícios para se viver a justiça, a equidade e o perdão. Na vida em sociedade, enfim, aquela sede e aquela fome de justiça da qual um dia seremos saciados em plenitude.
O contexto de época em vivemos suplica por homens corajosos, capazes de viverem a cultura de vida, de esperança, de solidariedade e de verdadeira misericórdia. Estamos envoltos pelas trevas da desconfiança, da criminalidade e da violência em níveis de guerra. Só em 2015, segundo dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No total, 58.383 pessoas foram mortas violentamente e intencionalmente no país. Por dia, em média, 160 pessoas foram privadas de continuar suas vidas por uma ação abrupta de um terceiro. Os motivos são os mais banais possíveis: briga no trânsito, discussão entre vizinhos, crimes passionais (hoje fala-se de feminicídio: o assassinato de mulheres por questão de gênero), homofobia (intolerância com a orientação homossexual), e tantos outros.
O número alarmante de violência ganha notoriedade da mídia secular. Há um verdadeiro fetiche pelo trágico, pelo bizarro e pelo horror. Espetaculariza-se o pior do ser humano para torna-lo audiência. Programas matutinos evidenciam à exaustão a literatura policial: crimes do final de semana. Quanto mais sangrento e impactante, maior espaço terá na mídia. O belo, as iniciativas de paz, de solidariedade, de verdadeira humanidade não recebem a mesma publicidade. São mostrados de modo acanhado e com curto espaço de tempo. Quando se trata de crimes e de violência, sobretudo urbana, exploram-nas demasiadamente.
Por essa razão, a santidade dos cristãos deve ser um contraponto a toda esta corrente e a este pensamento das trevas: “que vossa luz brilhe como o sol do meio dia” (cf. Jó 11, 17). Afinal, tudo aquilo que atenta contra a dignidade da pessoa humana é, antes de tudo, uma agressão à santidade de Deus. Toda forma de política pública e/ou econômica que menospreza a criação é um desrespeito ao Criador. “Por isso, a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus.Pois a criação foi sujeita à vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou), todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. (Rm 8, 19-21).
Que a Santidade de Deus, portanto, nos anime a não desistirmos, mas a continuarmos com coragem. Afinal, um cristão santo é, antes de tudo, um teimoso. Todo santo é teimoso: “Santidade quer dizer teimosia, em cumprir a vontade de Deus, sempre, apesar das dificuldades” (Bem-aventurado Tiago Alberione).