sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Não praticantes


Eduardo Machado 


Ainda que eu fale todas as línguas, dos homens, dos anjos, da mídia... e use todas as línguas para proclamar dogmas, emitir opiniões em entrevistas polêmicas ou fazer comentários de botequim... se não tenho amor, sou como uma campainha estridente, incômoda, medíocre, desagradável e inútil. 
Ainda que eu tenha ao meu lado e ao meu serviço toda a ciência, toda a tecnologia e todo o conhecimento... se não tenho amor, tudo isso é apenas insensível e estéril erudição. 
O amor é paciente, até com aqueles que, do alto da sua religiosidade atrofiada e hipócrita, julgam-se no direito de criticar a Igreja, como se ela fosse uma instância externa, superior, distante. Eu, leigo sou Igreja, tanto quanto meus irmãos na fé, os padres, bispos, religiosos e religiosas com quem convivo. 
E ainda que me envergonhe de muitas coisas, tenho orgulho em dizer que a Igreja é minha família. E da minha família eu até posso falar mal, pois conheço as suas entranhas, mas fico indignado vendo pessoas que se dizem católicos “não praticantes” pegando carona no senso comum, fácil e generalizante, para acusar, criticar e desrespeitar a minha família a minha Igreja. 
Para sermos verdadeiros e coerentes, temos que reconhecer que o cristianismo católico, como opção de fé e de vida, não chega nem perto dos milhões que aparecem no Censo. Há um número imenso de pessoas que são, na verdade, católicos hereditários. Se dizem católicos porque nasceram numa família que se diz católica. O catolicismo é mero caldo de cultura, um verniz que cobre a pele, mas não chega ao coração. 
Por isso, muitos desses católicos não praticantes optam pelo conforto descompromissado das críticas superficiais e dos comentários de botequim. 
Para esses, relembro uma crônica que aqui já compartilhei e que, quem sabe, pode ajudar a refletir sobre nossa responsabilidade que não é de IR à igreja, mas de SER Igreja. 

Numa pequena cidade, quase uma vila do interior dessas Minas Gerais, um jovem padre assumiu a paróquia local que há anos estava vazia. Não houve recepção alguma. Apenas uma velha senhora, beata antiga que cuidava da igreja, ajudou na arrumação da casa paroquial. Tudo ajeitado, uma limpeza geral e o padre colocou à porta da igreja um aviso: 
“No próximo domingo, 9 horas, missa para reabrir as atividades da Igreja em nossa comunidade.” 
No domingo, a velha beata e mais meia dúzia de companheiras acompanharam a missa rezando seus terços e mal respondendo às orações do ritual, habituadas que estavam ao tempo da missa em latim. 
O padre então resolveu ir às ruas, conversar com as pessoas, conhecer melhor o seu arredio rebanho. Por toda parte frieza e indiferença. Aqui e ali, referências ao vigário antigo que havia “aprontado” e deixado na cidade uma triste lembrança. 
Anos de abandono, dificuldades do bispo com os poucos padres da diocese, o comodismo que aos poucos foi envolvendo a todos, o fato é que a maioria não via com bons olhos a volta de um padre àquela comunidade. Na verdade todos estavam com “um pé atrás” em relação à Igreja. 
O padre voltava desanimado para casa quando, ao passar diante de um boteco ouviu alguém gritar em tom de zombaria: 
“Êh, sô padre, desiste que aqui a Igreja morreu!!!” 
O padre parou ao ouvir aquilo, pensou em responder, mas ao ouvir os risos de todos apenas sorriu e continuou seu caminho. Levava no rosto uma expressão enigmática que, nos dias seguintes, daria muito o que falar... 
Pois acontece que, dois dias depois, um cartaz à porta da igreja anunciava: 
“Fui avisado de que a Igreja morreu. É preciso, portanto, providenciar o enterro. Assim, conforme a tradição, faremos no próximo domingo, às 9 horas, uma missa de corpo presente e, em seguida, o enterro da Igreja. 
Conto com a presença de todos, o vigário”. 
Durante o resto da semana não houve outro assunto na vila... 
Curiosos, todos se perguntavam e especulavam sobre o que andaria pela cabeça daquele padre. No boteco afirmavam que ele era louco varrido, o que era bem típico desses padres modernos. 
O fato é que, no domingo, pouco antes das 9hs. a igreja já estava cheia. Toda a vila estava lá . Gente por todos os cantos, se acotovelando e olhando assombrados para um caixão negro rodeado por quatro castiçais, colocado bem diante do altar. O padre não mentira, a defunta estava lá. Murmúrios de espanto e surpresa corriam entre todos. O caixão estava fechado. 
A curiosidade ficou dividida entre aquela cena insólita e um grupo de jovens que tocava e cantava animadamente, convidando o povo a aprender as músicas da missa. O padre os convidara da sua antiga paróquia e eles enchiam a igreja de alegria com o seu canto. E tudo ficava ainda mais esquisito, com aquele cenário de velório inundado por canções que falavam de esperança, participação, comunidade, perdão... 
Às 9 horas o padre entrou e começou a celebração da Missa. Na liturgia da palavra foi lido o texto da Carta de S. Paulo aos Coríntios capítulo 12, versículos de 12 a 27. Falava da Igreja como um corpo onde cada um, como os membros, tem uma função e uma dignidade especial. No texto do Evangelho de Mateus, capítulo 13, versículos de 47 a 50, Jesus falava, através de uma parábola, que a Igreja é como uma rede jogada ao mar: pesca de tudo, peixes bons e maus. 
No sermão, o padre falou de tolerância, misericórdia, perdão. Todos ouviam e percebiam como a vida que viviam era um espelho daquelas palavras. O Rito Penitencial tocou o coração de cada um. 
A celebração foi envolvendo a todos que, praticamente se esqueceram do caixão. Mas ao final da Missa, após uma benção emocionada, o padre avisou: “Agora, conforme o costume, antes do enterro, vamos nos despedir da falecida. Organizem uma fila para passar diante do caixão”. 
E o povo, novamente agitado pela curiosidade, passou lentamente diante daquele estranho ataúde. Cada um passava, olhava e saía com ar envergonhado. 
Houve quem risse, meio sem graça. Houve quem chorasse... 
A maioria ficou pensativa e calada... 
DENTRO DO CAIXÃO, HAVIA APENAS UM ESPELHO...

(Fonte: Rede Catedral - Belo Horizonte - MG)



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